ASCENSO, O NORDESTE EM CARNE E OSSO (1)

Texto de Juareiz Correya


Nestes primeiros dias de maio, acontece o aniversário de nascimento (95 anos) e de morte (25 anos) do poeta Ascenso Ferreira. O poeta nasceu em Palmares (PE), no dia 9 de maio de 1895 e faleceu, no Recife, no dia 5 de maio de 1965. Homenageamos a vida e a obra de Ascenso Ferreira. Publicamos também "Casa Grande & Senzala", último poema publicado em vida pelo autor ("O Cruzeiro", abril, 1965).


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Aníbal Torres seria apenas "o filho da professora metido a poeta", na cidade pernambucana dos Palmares, onde nasceu e viveu até os 20 anos de idade escrevendo sonetos parnasianos. Mas Ascenso Ferreira, como passou a chamar-se, quando decidiu mudar o nome de batismo - que passou a ser Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira -, iria crescer para além dos limites de Palmares, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, e se tornar um poeta de dimensão nacional, traduzindo, em carne e osso,o Nordeste, ao invadir, com a sua voz original, o Modernismo brasileiro.

A sua ascensão, que atravessou décadas de forma progressiva, parece ter sido original e unicamente prevista por ele, ao adotar o novo nome - Ascenso -, identificação fácil e própria para, com o sucesso e a popularidade, virar simplesmente, ASCENSÃO, apelido carinhoso perpetuado entre conhecidos e amigos.

O poeta era mais do que um cantor da sua terra, o Nordeste. Era o verdadeiro menestrel moderno, símbolo de tempos novos, anti-modelo, anti-artista, de vozeirão e tipo assombroso, uma figura avantajada em todos os sentidos, mais retrato de senhor-de-engenho abastado do que de boêmio e poeta popular, que reinventou a poesia do Nordeste, ao escrevê-la e recitá-la. À frente do seu tempo, Ascenso foi o primeiro poeta brasileiro a gravar os seus poemas em disco, e também um precursor da geração-mimeógrafo, dos poetas marginais, alternativos e independentes : ele mesmo vendia, de mão em mão, os seus livros e discos.

Ascenso foi uma espécie de santo de casa que fez milagre, até ele mesmo reconhecia isto. Pernambuco, o Nordeste e vários Estados brasileiros tiveram o privilégio de conviver com a sua figura mítica e desmistificadora, um poeta autêntico, verdadeiramente importante, sem pose e posses, e sem qualquer frescura. Ainda hoje seu nome e sua vida têm sabor de lenda, e sobre ele se contam e recontam as mais incríveis, engraçadas e absurdas histórias. Lírico, folclórico, piadista, mulherengo, grosseiro, ingênuo, político, menestrel, provinciano, cabra de engenho, cosmopolita, catimbozeiro, dançarino, depravado, amigo, companheiro, doce, irmão, chapa de Juscelino, Getúlio e Arraes, comerciante, camelô de poesia, comedor e bebedor, grande, graúdo (só não entrou no céu por causa do tamanho), Ascenso, Ascensão. O homem e a obra foram eternamente a mesma coisa. Ascenso era, mais do que ninguém, ele mesmo. Outro como Ascenso, diria a sua companheira, Maria de Lourdes Medeiros, lembrando o que foi dito em relação a Chopin (de que só nasce um Chopin de cem em cem anos) "vai custar muito mais de cem anos pra nascer".


(Em LETRAS & LEITURAS, caderno Folha 2, da "Folha de Pernambuco",
Recife, sábado, 12 de maio de 1990).

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