POESIA - PRA VIVER A VIDA ! (Alberto Cunha Melo)

AOS MESTRES, COM DESRESPEITO

Dizem que meu povo
é alegre e pacífico.
Eu digo que meu povo
é uma grande força insultada.
Dizem que meu povo
aprendeu com as argilas
e os bons senhores de engenho
a conhecer seu lugar.
Eu digo que meu povo
deve ser respeitado
como qualquer ânsia desconhecida
da natureza.
Dizem que meu povo
não sabe escovar-se
nem escolher seu destino.
Eu digo que meu povo
é uma pedra inflamada
rolando e crescendo
do interior para o mar.


.......................................


DE UM PROFETA LATINO-AMERICANO


Preparem os corpos
para os desertos
que vão ser bem longos
e não merecidos.
Nem as crianças sabem
de onde vem o fogo
mas o fogo vem.
Se os homens de boa vontade
não têm boas armas,
os homens de boas armas
não têm boa vontade.
Agora, apenas
a normalidade repetida
já será a destruição.


............................


RITUAL DO ESPANCAMENTO

Espancado para aprender
a espancar
e ser espancado,
espancado em nome de Deus
ou de um jarro quebrado,
espancado para falar
e calar
o próprio espancamento.
Espancado para aprender
que os homens aprendem
espancando e sendo espancados,
espancado para dizer
que não foi espancado,
espancado para morrer
pensando que o mundo
está povoado
de espancados que espancam
e espancadores espancados.


.................................


NOS QUINTAIS, DEPOIS DOS QUARTÉIS


Os uniformes de guerra
estão lavados
com o sabão da terra
e as alfazemas
das moças pardas :
estão secando
desde o último sol
na memória do povo,
e não devem mais
contra ele
ser vestidos de novo.



(Revista POESIA - PRA VIVER A VIDA,
Número 1, Recife, abril, 1980)


__________________________________________

ALBERTO CUNHA MELO nasceu em Jaboatão dos
Guararapes (PE)no ano de 1942. Além de
publicações esparsas em jornais e revistas
pernambucanos, tem editados os seguintes
livros : CÍRCULO CÓSMICO, ORAÇÃO PELO
POEMA, PUBLICAÇÃO DO CORPO, DEZ POEMAS
POLÍTICOS, NOTICIÁRIO. Os poemas publicados
nesta revista são do livro DEZ POEMAS
POLÍTICOS (Edições Pirata, Recife, 1979).

Comentários