Lúcidas confissões de Lucila Nogueira no Twitter

Criaram uma mitologia em torno de mim a partir dos anos 90


Nunca me incomodei porque estava sempre trabalhando muito ocupada e com responsabilidades imensas


Fui nessa brincadeira pai e mãe das minhas filhas pois meu marido fazia o tipo delicado e frágil como muitos artistas


Trabalho desde os dezessete anos nos estágios de professora junto com o curso do pré-vestibular


Entrei com dezessete na Faculdade de Direito do Recife e me formei com 22


Com 21 e 22 anos fiz estágio do Ministério Público, da Fazenda e da Assitência Judiciária


Nesse tempo já tinha um emprego público no Tribunal de Contas do Estado, desde o início de 1971


Deixei de ser auditora do Tribunal de Contas para ser promotora de Justiça em 1978


A essa altura já tinha cursado os mestrados de Direito e de Antropologia só não defendi as dissertações


Voltei a estudar em 1986 e dessa vez o mestrado em Letras que terminei com oito meses e meio de gravidez


A dissertação sobre Drummond está na terceira edição e para quem quiser saber eu a escrevi em quinze dias porque estava perto do parto


E com três anos lia para as perplexas alunas da minha mãe no Instituto de Educação os livros do curso de pedagogia


Quem passou no Colégio de São José de 1955 a 1967 sabe muito bem quem era eu


Meu gosto pela literatura veio da solidão das tardes na casa da Rua do Lima


Depois de ler os livros femininos e infanto-juvenis de tia Lucila professora e diretora de duas escolas


Passei a ler os clássicos de tio Arthur pai de Aninha minha prima


A casa da minha avó na Rua do Lima era perto do Canal 2 e eu ia assistir Você faz o Show


Meu primo Roberto pai de Bruno ficava cantando da sala ao corredor até vencer o concurso da tv e ir para o sul


Sempre tive o meu pé no chão embora tenha permanecido artista


Tomei conta do meu marido por trinta anos e dei paz ao seu temperamento dionisíaco


Entrei no magistério acadêmico em 1989 e depois fiz um doutorado dando aulas em várias turmas de graduação


Minha tese sobre Cabral está publicada por retribuição profissional ao meu esforço em organizar importante livro sobre as literaturas africanas


Nunca tive nada fácil nem de graça sempre com muita luta e garra


Mas a partir dos anos 90 começaram a querer diminuir o mérito do trabalho de uma vida


O Governo do Estado de Pernambuco me deve 20 anos de licença prêmio que desconsideraram na aposentadoria


Fui uma promotora de Justiça que nunca precisou levar processo para casa porque sou muito clara e objetiva


Sou advogada por vocação quando surge alguém com um problema já vou logo vendo os vários modos de resolver


Então é maldade essa lenda de que não gosto do Direito porque amo a poesia


Hoje tenho um câncer e luto contra ele tratando de não deixar nenhum livro inédito


Dei conta da vida como filha que não abandonou a sua mãe sozinha ou em asilos


Que chorou a morte do pai um pouco ausente e nunca lhe diminuiu a memória


Que se desesperou na morte do companheiro e mantém o respeito à sua belíssima figura


Que sustentou sendo pobre três anos e meio sua filha do meio na Suécia até ela entrar na universidade e não precisar mais


Que está sempre ajudando sua competente filha mais velha advogada que ainda não foi assimilada inteiramente pelo mercado de trabalho


Que soube embora dilacerada por limites fundamentais na filha mais nova


E aí hoje ela ouviu pela segunda vez o professor da Faculdade particular se referir a mim como MALUCA BELEZA


Depois de lhe ter dedicado civilizadamente um volume da minha tese sobre João Cabral


E aí minha filha mais nova respondeu : minha mãe trabalha desde os dezessete anos e o senhor ao que parece já se formou velho


Uma poeta operária com câncer deve ser respeitada e bem mais que o vulcão Eyjafjallajoekull


Uma poeta / professora / promotora / operária com câncer e sem o seio direito é uma mutação climática que modifica neste seu dia o eixo da terra


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