A VIA-CRÚCIS DE PAULO BRUSCKY

conto de Juareiz Correya



Tudo começava com uma noite súbita um tilintar de moedas e um beijo frio. Depois gritos várias vozes se aproximando como uma correria, uma perseguição.

Paulo Bruscky não tinha mesmo saída e esperava. Eram agarrões violentos, mãos furiosas num cerco, lâminas de aço retinindo, soldados de fardas antigas, ele de repente desnudado e conduzido aos empurrões como se estivesse sendo levado para alguma prisão.

O multiartista via-se diante de um palco à luz do dia com as pessoas se movimentando como se fossem figurantes de algum tribunal. Ele nu indefeso meio atônito bombardeado com acusações descabidas. Via depois uma figura mais teatral do que as outras lavando as mãos e rindo cinicamente como Sílvio Santos na televisão. Rapidamente aqueles figurantes sumiam e voltavam os soldados, ainda mais violentos e batendo nele à vontade. Os chicotes estalavam e o seu sangue salpicava os soldados, eles riam alto e aumentavam os golpes torturantes. O multiartista já tinha visto aquilo no filme de Mel Gibson. Mas não estavam representando com ele. A tortura prosseguia e as dores das feridas abertas se intensificavam. Palavrões e gozações com o seu corpo desfigurado prosseguiam em meio à risadagem de uma multidão de curiosos já formada em círculo naquele pátio. E gritos desvairados pedindo para crucifica-lo.


2


Não sabia o tempo que aquilo durava. Era uma eternidade para ele. Via doze rostos conhecidos, de amigos próximos, assustados e se escondendo da multidão em fúria incitada pelos soldados. E tudo ocorria sem que nada nem ninguém pudesse ajuda-lo. Nem mesmo a sua mãe que ressurgia aflita e Madalena, a sua companheira de copo no Mercado da Boa Vista. Todo aquele sacrifício era certo e inadiável.

Conduzia a pesada cruz nas costas, passando por ruas, ruelas e praças conhecidas e que jamais conhecera em sua vida. Andava tanto pelas cidades do mundo com a sua multiarte e sua história de criador recifense mas aquelas ruas, que não eram do Recife, quando apareciam, eram completamente desconhecidas, eram sempre caminhos novos embora tão antigos. Arrastava a sua cruz caindo levantando aos tombos e empurrões como num frevo improvisado pelos soldados que o açoitavam e a multidão já alegre cantando e dançando versos incompreensíveis. Era uma marcha do carnaval da sua dor.

Pregado na cruz, Paulo Bruscky sentia a carne rasgada das suas mãos e dos pés e via nitidamente o vermelho-sangue saindo do seu corpo como tinta em profusão. Depois que ele voltasse a cabeça para os céus, querendo entender tamanha desgraça, o coração trespassado por um golpe mortal, tudo se consumiria.


3


Era assim no dia do aniversário de Paulo Bruscky. A mulher e os três filhos,impotentes diante daquela história, viajavam dias antes para o agreste de Pernambuco. Sabiam que ele morreria mais uma vez na Semana Santa.


(do livro inédito PEQUENAS HISTÓRIAS DE ATLÂNTICA)

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Revista ENCONTRO
- Gabinete Português de Leitura de Pernambuco
Ano 26, Número 21, 2010 (Recife, PE)

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