4 POEMAS DE DANIEL LIMA

Nada será jogado no vazio.


Nem mesmo o vazio da vida,
porque é vida.


Nem mesmo o gesto inútil,
pois-que é gesto.


Nem mesmo o que não chegou a realizar-se,
pois-que é possível.


Nem mesmo ainda o que jamais se realizará,
porque é promessa.


E o próprio impossível
é vontade absurda de existir.
E nisso existe.



...........................




Recife, primeira de todas as cidades
e a última de todas, a mais persistente
nas lembranças, a que mais teima
em não ser esquecida.


Recife, sofrida e linda,
generosa e rebelde,
que amas o mar que te agride
e te beija nas pedras arrecifes,
Recife que te banhas
desacanhada e nua
nas águas de teus rios
por baixo de tuas pontes
e te retorces nas estreitas ruas
de teus bairros antigos,
de assombrados sobrados
e dormes serenamente nas areias das praias
sonhando o teu futuro
que o passado de lutas te promete.


Oh! como é doce nascer em ti
mas como custa viver em ti
cidade contraditória e múltipla, cidade
que misturas batalhas e folguedos,
que enquanto te rebelas,
bailarida e guerreira
danças o frevo nas ruas e os maracatus.


Moro em ti
e tu demoras em mim, Recife !



..............................



Minha mãe era anoitecida.
Às vezes orvalho, às vezes estrela.
De repente, ria. De repente, chorava.
Falava sozinha enquanto trabalhava.
Resmungos, ou não sei se filosofia.
Descascava batatas, partia cebolas
e sonhava
"Para não perder tempo",dizia.


Com que seria que minha mãe sonhava ?



.......................................



O POETA E A PALAVRA
(fragmento)


..................
O poeta tortura-se.
A palavra é seu meio
é seu modo
é seu mundo.
É a matéria e a forma
de sua arte,
é a sua mãe, sua filha,
a palavra é seu rosto,
é o motivo maior de seu desejo.


A exata palavra
sugere mas não diz,
não dirá nunca.
A palavra se recolhe em teu silêncio.
E se a encontrares, despreza-a.
Seria verdadeira talvez
e assim destruiria
o teu possível poema.


Navega sempre os mares das palavras
mas sabe-as sempre incertas, imprecisas,
bem longe da palavra que procuras.


A exata palavra.
Não há palavra exata no poema.
Há beleza.
E a beleza é inexata e equívoca.


___________________________________

Do livro POEMAS, de Daniel Lima
- Companhia Editora de Pernambuco-CEPE /
Secretaria da Casa Civil/Governo de Pernambuco,
Recife, PE, 2011.

Comentários