ESCRITORES CENTENÁRIOS DE PERNAMBUCO - 1911/2011 : MANUEL BEMTEVI





PARO TODO MOVIMENTO DO ESTADO
SÓ FUNCIONA O RECIFE SE EU QUISER


Se eu chegar no Recife aperriado
Eu acabo com todas as fortalezas 
Vou no Palácio do Campo das Princesas 
Paro todo movimento do Estado. 
Na Assembléia não deixo um deputado
Na zona não fica uma mulher 
Acabo as forças armadas que houver
Tranco banco instituto inspetoria 
Fecho hospitais detenções secretarias 
Só funciona o Recife se eu quiser.

Prendo guarda civil cabo soldado
Comandante Chefe do Estado Maior 
Prendo tenente capitão prendo major 
Paro todo movimento do Estado.
Prendo telégrafo imprensa consulado
Emissora não deixo uma sequer 
Prendo a Loyd a Costeira e a Panair
Paro o trânsito não passa mais ninguém
Da estação central não sai mais trem
Só funciona o Recife se eu quiser.

Prendo médico doutor advogado
Prendo juiz de direito e promotor 
Prendo prefeito e prendo vereador 
Paro todo movimento do Estado.
Prendo o governo prendo o secretariado 
Só Deus resolve na terra o que eu fizer 
Prendo moça menino homem e mulher 
Tapo as águas do rio Beberibe 
Corto o curso do rio Capibaribe
Só funciona o Recife se eu quiser.

Paulo Afonso eu deixo desmantelado 
Vou quebrar as barragens e as turbinas 
Quebro os quadros depois quebro as bobinas 
Paro todo movimento do Estado. 
Transformador um por um deixo quebrado
Rebento todas as torres que houver 
A linha de transmissão se ainda tiver 
Eu rebento toda ela em meio-dia 
De Paulo Afonso não sai mais energia 
Só funciona o Recife se eu quiser.

Lá na boca da barra eu dou um brado
Nos armazens não atraca mais navio 
Do Capibaribe acabo o delta aterro o rio
Paro todo movimento do Estado.
Beberibe e Gurjaú deixo aterrado
Não deixo um litro d'água sequer 
Pra ninguém não dou chá nem dou colher 
Homem mais brabo eu tranco na enxovia 
Por enquanto só deixo a reitoria 
Só funciona o Recife se eu quiser.   

Dois Irmãos dessa vez deixo trancado
Nos domingos jamais ninguém visita 
Em Mourão Filho não deixo uma guarita 
Paro todo movimento do Estado.
Vou acabar com faculdade e juizado
O Aeroporto e o Ibura e outro qualquer 
E algum aeroporto que inda houver 
Acabo o Náutico o Esporte e o Santa Cruz 
Acabo até com a Procissão do Bom Jesus 
Só funciona o Recife se eu quiser.   

Eu derrubo arranha-céu casa sobrado
Fecho o comércio acabo as padarias 
Laboratórios farmácias e drogarias 
Paro todo movimento do Estado.
Carro-tanque canhão carro blindado 
Porta-avião baleeira se tiver 
Todo carro de praça que houver 
Arranco a pista isolo toda entrada 
No Recife não entra e não sai nada 
Só funciona o Recife se eu quiser.    

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Mas isso tudo foi um sonho muito pesado
Que eu sonhei certa vez quando dormia 
Uma voz no ouvido me dizia 
Paro todo movimento do Estado.
Acordei tristemente atribulado
Vi que era uma coisa sem mister 
Não encontrei uma pessoa sequer 
Que me dissesse o que tinha acontecido
E uma voz me dizendo no ouvido
Só funciona o Recife se eu quiser.    


(Transcrito da Revista POESIA, número 3
 - "Manuel Bemtevi, o maior cantor da Mata" -
Recife, PE, 1980)


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MANUEL BEMTEVI (Manuel Romão dos Santos)
nasceu no Engenho Verde, município dos Palmares, PE,
no ano de 1911. Autodidata, poeta de cordel e cantador 
de coco e de embolada. Inédito por muito tempo,
 foi promovido em Pernambuco pelo poeta Juareiz Correya,
que destacou e projetou o seu trabalho com a edição
especial da Revista POESIA (Número 3, Nordestal Editora,
Recife, PE, 1980), inteiramente dedicada ao seu nome.  
Publicou o livro DESMANCHANDO O NORDESTE 
EM POESIA (Edições Bagaço, Palmares, PE, 1986)
e deixou inédito o livro A BELEZA NORDESTINA.
Faleceu em Joaquim Nabuco, PE, onde residiu por muito
tempo, no ano de 1999.








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