PARO TODO MOVIMENTO DO ESTADO
SÓ FUNCIONA O RECIFE SE EU QUISER
Se eu chegar no Recife aperriado
Eu acabo com todas as fortalezas
Vou no Palácio do Campo das Princesas
Paro todo movimento do Estado.
Na Assembléia não deixo um deputado
Na zona não fica uma mulher
Acabo as forças armadas que houver
Tranco banco instituto inspetoria
Fecho hospitais detenções secretarias
Só funciona o Recife se eu quiser.
Prendo guarda civil cabo soldado
Comandante Chefe do Estado Maior
Prendo tenente capitão prendo major
Paro todo movimento do Estado.
Prendo telégrafo imprensa consulado
Emissora não deixo uma sequer
Prendo a Loyd a Costeira e a Panair
Paro o trânsito não passa mais ninguém
Da estação central não sai mais trem
Só funciona o Recife se eu quiser.
Prendo médico doutor advogado
Prendo juiz de direito e promotor
Prendo prefeito e prendo vereador
Paro todo movimento do Estado.
Prendo o governo prendo o secretariado
Só Deus resolve na terra o que eu fizer
Prendo moça menino homem e mulher
Tapo as águas do rio Beberibe
Corto o curso do rio Capibaribe
Só funciona o Recife se eu quiser.
Paulo Afonso eu deixo desmantelado
Vou quebrar as barragens e as turbinas
Quebro os quadros depois quebro as bobinas
Paro todo movimento do Estado.
Transformador um por um deixo quebrado
Rebento todas as torres que houver
A linha de transmissão se ainda tiver
Eu rebento toda ela em meio-dia
De Paulo Afonso não sai mais energia
Só funciona o Recife se eu quiser.
Lá na boca da barra eu dou um brado
Nos armazens não atraca mais navio
Do Capibaribe acabo o delta aterro o rio
Paro todo movimento do Estado.
Beberibe e Gurjaú deixo aterrado
Não deixo um litro d'água sequer
Pra ninguém não dou chá nem dou colher
Homem mais brabo eu tranco na enxovia
Por enquanto só deixo a reitoria
Só funciona o Recife se eu quiser.
Dois Irmãos dessa vez deixo trancado
Nos domingos jamais ninguém visita
Em Mourão Filho não deixo uma guarita
Paro todo movimento do Estado.
Vou acabar com faculdade e juizado
O Aeroporto e o Ibura e outro qualquer
E algum aeroporto que inda houver
Acabo o Náutico o Esporte e o Santa Cruz
Acabo até com a Procissão do Bom Jesus
Só funciona o Recife se eu quiser.
Eu derrubo arranha-céu casa sobrado
Fecho o comércio acabo as padarias
Laboratórios farmácias e drogarias
Paro todo movimento do Estado.
Carro-tanque canhão carro blindado
Porta-avião baleeira se tiver
Todo carro de praça que houver
Arranco a pista isolo toda entrada
No Recife não entra e não sai nada
Só funciona o Recife se eu quiser.
................................................................
Mas isso tudo foi um sonho muito pesado
Que eu sonhei certa vez quando dormia
Uma voz no ouvido me dizia
Paro todo movimento do Estado.
Acordei tristemente atribulado
Vi que era uma coisa sem mister
Não encontrei uma pessoa sequer
Que me dissesse o que tinha acontecido
E uma voz me dizendo no ouvido
Só funciona o Recife se eu quiser.
(Transcrito da Revista POESIA, número 3
- "Manuel Bemtevi, o maior cantor da Mata" -
Recife, PE, 1980)
_______________________________________________
MANUEL BEMTEVI (Manuel Romão dos Santos)
nasceu no Engenho Verde, município dos Palmares, PE,
no ano de 1911. Autodidata, poeta de cordel e cantador
de coco e de embolada. Inédito por muito tempo,
foi promovido em Pernambuco pelo poeta Juareiz Correya,
que destacou e projetou o seu trabalho com a edição
especial da Revista POESIA (Número 3, Nordestal Editora,
Recife, PE, 1980), inteiramente dedicada ao seu nome.
Publicou o livro DESMANCHANDO O NORDESTE
EM POESIA (Edições Bagaço, Palmares, PE, 1986)
e deixou inédito o livro A BELEZA NORDESTINA.
Faleceu em Joaquim Nabuco, PE, onde residiu por muito
tempo, no ano de 1999.
Comentários