MODERNISMO "COPYRIGHT BY ASCENSÃO" : A ORIGINALIDADE DE "CATIMBÓ"





     O Modernismo já assaltara Ascenso, salvando-o de vez de camisa-de-força dos "cânones da poesia antiga", e ele passou a se fixar na nova estética do verso livre modernista, com assumida carga de brasilidade, encorajado pela presença de Guilherme de Almeida em Pernambuco, cuja recitação do poema Raça, no Teatro Santa Isabel, foi o "abre-te sésamo" de Ascenso para as descobertas inusitadas da sua poética revolucionária.  A passagem de Guilherme de Almeida se deu em 1925. Ele toma conhecimento da poesia de Ascenso e o incentiva.

     Há um ano Ascenso já escrevia a sua poesia deliberadamente modernista, com publicações na revista Mauricéia e Revista de Pernambuco e participação em recitais no Teatro Santa Isabel.  Luís da Câmara Cascudo assinala a mudança definitiva da poesia parnasiana para a poesia modernista, que ele acompanhou de perto :

     "Ascenso, durante cinco anos, foi um companheiro dileto, solidário com as caminhadas sem rumo, namorando casario colonial, calcando as pedras que viram Nassau e ceiando peixe frito num frége ou devorando abacaxis no cais que se chamava dos abacaxis.  Essas horas eram delirantemente poéticas. Assisti Ascenso largar o Sol da Primavera e escrever e dizer seus versos iniciais, absolutamente copyright by Ascensão. Animei-o a desacatar as meninas que gemiam poemas líricos e bradar os versos novos, cheirando a mato e brasilidade, livre de títulos e de doutrinas."

     O pessoal da Revista do Norte - Joaquim Cardozo, José Maria de Albuquerque e Mello, Benedito Monteiro, Luís Jardim, Osório Borba e outros - era o grupo mais incentivador de Ascenso.  Além desse grupo, havia também José de Gois Filho, da Revista de Pernambuco, e Joaquim Inojosa, da revista Mauricéia.

     Jornais e revistas do Recife disputaram logo os primeiros poemas modernistas de Ascenso, na base do incentivo promovido também por Aníbal Fernandes, no Diário de Pernambuco, e por Gouveia de Barros.  O primeiro livro de Ascenso, CATIMBÓ, recebeu o carinho do pessoal da Revista do Norte, com capa e ilustração de Joaquim Cardozo e coordenação gráfica de José Maria de Albuquerque e Mello, que fez das tripas coração porque os recursos gráficos da revista não eram suficientes para uma boa programação, como a que resultou com o seu empenho. A edição do livro foi financiada por um grupo de amigos : Batista da Silva, João Cardoso Aires, José Bezerra Filho, Domingos Ferreira, Luiz Cedro, Jaime Coimbra, Ibrahim Nejaim, Antiógenes Chaves. 

     A poesia modernista de Ascenso Ferreira deslumbrou o pessoal da Semana de Arte Moderna, de São Paulo, e CATIMBÓ mereceu um consagrador estudo de Mário de Andrade no Diário Nacional, publicado em 1927, destacando o livro com a posição elogiosa de "um dos mais originais do modernismo brasileiro". 

     Nesse tempo Ascenso já tinha estabelecido sua amizade com Manuel Bandeira. O poeta viaja ao Rio, para divulgar CATIMBÓ, e recebe críticas negativas de Medeiros de Albuquerque. Mas João Ribeiro, Peregrino Junior, Álvaro Moreyra, Carlos Dias Fernandes e Tristão de Athayde, considerado o principal crítico literário brasileiro, na época, não lhe pouparam elogios.   

     A passagem de Mário de Andrade pelo Recife, em 1928, aproxima pessoalmente os dois poetas e nasce daí uma saudável amizade entre ambos, estabelecendo-se um intercâmbio literário e cultural de importância fundamental para o desenvolvimento de toda a obra de Ascenso Ferreira. 

     Quando Ascenso vai ao Rio novamente, e a São Paulo, em 1929, é para ser aplaudidíssimo em recitais na residência de dona Olívia Penteado e no Teatro de Brinquedos, conduzido por Mário de Andrade.  Dele se aproximam Eugênia Álvaro Moreyra, Cassiano Ricardo, Adelmar Tavares, Menotti del Picchia, Afonso Arinos de Mello Franco e Tarsila do Amaral.  

     Mário de Andrade volta ao Recife em 1930 e se hospeda na casa de Ascenso, crescendo a identificação entre ambos por meio de trabalhos e de pesquisas folclóricas.  Mário haveria de incentivar Ascenso, por muito tempo, para que ele desenvolvesse estudos sobre a cultura popular do Nordeste. Mas era muito resistente a preguiça do poeta e ele produziu pouco nesse campo. 

     Ascenso trabalhava a custo.  Tanto é que, lançando com sucesso o seu primeiro livro, em 1927, só viria a apresentar um outro título ao público em 1939 e um terceiro título em 1951,  com a reunião, num só volume,  dos dois títulos anteriormente publicados : em edição de luxo e em edição popular (esta, publicada  em 1953, por sugestão de Manuel Bandeira). 

     Mário de Andrade, no seu estudo publicado no Diário Nacional, em São Paulo, e que apresenta posteriormente a nova edição de CATIMBÓ (1928), anota, com retidão crítica e exemplificadora, objetivamente, a contribuição de Ascenso :

     "Só mesmo Ascenso Ferreira, com este CATIMBÓ, trouxe pro Modernismo uma originalidade real, um ritmo verdadeiramente novo."

     Mário de Andrade viu nisso o mérito principal de Ascenso, considerado por ele um mérito inestimável.  E prosseguiu no seu exame criterioso :

     "Agora, não basta originalidade para uma obra ter valor não.  O ritmo novo que Ascenso Ferreira veio cantar para nós, era, além de novo, emocionante.  Por causa da bonita força lírica do poeta e o cheiro profundo de terra  e de povo que o poema trazia."

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 (Texto de Juareiz Correya)


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Capítulo 4 do livro ASCENSO, O NORDESTE EM CARNE E OSSO,
de Juareiz Correya  -
Coedição da Nordestal Editora e Edições Bagaço,
Recife, PE, 2011.
Apoio Cultural : Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho,
Secretaria de Educação, Departamento de Letras/Famasul,Aemasul/
Prefeitura dos Palmares e Secretaria de Educação / Prefeitura
Municipal de Água Preta (PE).
  

    

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