A RUA DO RIO (PALMARES), poema de Ascenso Ferreira





No começo da rua 
Morava Agostinho - o aleijado -
A quem o povo acusava de alimentar-se de coisas imundas : 
- Bichos mortos apanhados nos fundos dos quintais ! 

Fronteiro a ele morava o pedreiro Manuel Belo, 
Que por ter sido mordido de cachorro da moléstia, 
Quando falava com a gente avançava como um cão ! 

No meio da rua morava a celebérrima preta Inês. 
Catimbozeira "afamanada", 
Sempre às voltas com sapos e urubus ! 

Na outra ponta morava a mulata Filomena, 
A quem um jacaré acuou dentro de um banheiro no rio. 
E que saiu nuinha pela estrada afora, 
Gritando : "Me acudam ! Me acudam !" 

Mas nem tudo, na Rua do Rio, 
Era infâmia, nojo, abominação ! 

................................................................................... 

Na outra ponta da rua, 
Bem nos fundos do quintal da casa de minha mãe, 
Morava o fogueteiro Lulu Higino, 
Que no silêncio das noites consteladas, 
Arrancava da flauta uns acordes tão suaves, 
Que até parecia serem as estrelas lá no céu 
Que estavam tocando... 


(Do livro "Xenhenhém", inédito incluído na primeira edição
da  poesia reunida de Ascenso Ferreira - POEMAS,
 edição de luxo, Rio de Janeiro, RJ, 1951)


______________________________________________
Transcrito do livro POEMAS DE ASCENSO FERREIRA  
- 5a. edição - Nordestal Editora, Recife, PE, 1995. 

Comentários