"SOL DAS ALMAS", DE HERMILO BORBA FILHO: terceira edição do romance é lançada pela CEPE






Página de Hermilo 
(Revista Atlântica, página 31 / 
Palmares, maio/junho de 2003) 




PALMARES
(5,10) 


          O fim da ladeira não era visível sob a chuva fina e a cidade, embaixo, esfumava-se, quase sem contornos, vaga e imprecisa como se vista dentro d'água.  Isto do lado direito. Do esquerdo, no alto, as castanheiras gotejavam e as janelas da casa do médico ainda estavam fechadas.  O trem resfolegava, prestes a partir, viajantes sonolentos mal abrindo os olhos a um grito mais alto dos carregadores.  No fim da plataforma, duas mulheres, muito pintadas, cara de sono, bebiam café no barzinho que servia ao pessoal da estrada de ferro.  Um homem gordo chegava correndo, suado e vermelho, em direção a bilheteria, enquanto o condutor consultava um relógio niquelado, grosso, pesado, olhando-o à espera de que os ponteiros indicassem a hora exata da partida, num movimento automático tirando do bolso do paletó a bandeirinha verde.  Jó olhou em volta como se quisesse gravar tudo aquilo, a paisagem conhecida parecendo-lhe estranha e irreal.  As grandes letras brancas dos vagões de carga estacionados no desvio destacavam-se mesmo sob a chuva: G. W. B. R. Aspirou prolongadamente o cheiro de carvão-de-pedra e num arrepio ajeitou a gola da capa de borracha.  O som do apito do condutor feriu-lhe os ouvidos. O maquinista respondeu com um apito da máquina e o trem começou a locomover-se, resfolegante.  Ele deu apenas três passos, agarrou-se ao varão de ferro e entrou no vagão. 

        (...) 



(Transcrição da abertura do primeiro capítulo do romance SOL DAS ALMAS de Hermilo Borba Filho, publicado pela Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 1964.  Hermilo retrata a atmosfera da estação ferroviária dos Palmares, no início de uma viagem de trem para o Recife) 


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O romance SOL DAS ALMAS, de Hermilo Borba Filho 
(Companhia Editora de Pernambuco - CEPE, 
Recife, PE, 3a. edição, 2018), será lançado nesta terça-feira, 
17 de julho, às 19 horas, no Museu do Estado de Pernambuco 
(Graças, Recife, PE) 

Comentários

claudio noah disse…
Leitura deliciosa, quase úmida de tão real.