PALMARES MAL-ASSOMBRADA (poema inédito), de Ascenso Ferreira







Rua Nova (Palmares, PE, década de 1940 / 
Reprodução do álbum  "Palmares 
de Antigamente", editado em 2018,
 com organização de Edson Silva) 



"É tal o mundo de coisas boas perdidas por mim 
naquele ambiente onde vivi os melhores dias de minha existência...
Minha alma, ante a tortura das recordações, foge em busca de esquecimento
 como as aves fogem assombradas na dianteira das tempestades." 



Primeiro a casa grande da Rua Nova, onde por quase meio século se moveu a figura inconfundível da minha mãe. 
E outras figuras comoventes vão surgindo na minha imaginação : 
- Meu tio Neco, contando histórias incríveis da Guerra dos Cabanos, dos Canudos e do Paraguai ! 
- Minha tia França interrompendo as rezas para dar lapadas no gato com seu rosário de contas pretas ! 
- Minha tia Mariana, a parteira, arranjando sempre um orfão de pai e mãe para criar ! 

E outras mais - árvores protetoras do espírito da minha infância : 
- Coronel Antonio de Siqueira Granja, que matou na cadeia todos os brabos de Palmares ! 
- João Pio da Silva Valença, andando em casa de botas por não ter dinheiro para comprar chinelos, mas recusando qualquer favor de partido no poder ! 
- Fausto Freire de Carvalho Figueiredo, andando sempre adiantado trinta e quarenta anos do espírito de sua geração... 

E outras figuras vão surgindo : 
- O grande filósofo Chico Barbeiro, sempre irreverente e loquaz, gritando insolente no meio da rua : "Quem quiser ser bom, mate os velhos !" 
- Barreiros, de violão ao ombro, fazendo da vida uma eterna serenata !  
- Antonio Carvalho, de toalha ao pescoço, tomando de venda em venda um gole, preparando-se para um banho que nunca se realizava... 
- Meu padrinho Luiz Amaro de França Pereira, montado no seu luzidio cavalo baio, fardado em grande uniforme da Guarda Nacional.  

Tudo se foi... 
Tudo se apagou, aniquilado pelo tempo e pela morte ! 



Juareiz Correya  
(Recife, 01 de novembro/2019) 



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Poema inédito, desentranhado da crônica 
"A Usina Mal-Assombrada", de Ascenso Ferreira, 
publicada no jornal DIARIO DA MANHà 
- Recife, PE, setembro de 1946 

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