PEQUENAS HISTÓRIAS DE ATLÂNTICA : "A Sorte Existe" (1)







          Naquele dezembro que ia chegar, se o ano terminasse num vapt vupt da noite pro dia seria melhor.  Pelo menos eles não sentiriam que não tinham nada. Anibal já tinha perdido o emprego na Milson Sapato´s, em agosto, logo depois que teve de deixar o curso de contabilidade do Colégio Costa Azevedo.  Maura, felizmente, continuava trabalhando no caixa do armazém de seu Eduardo Gordo, com o salário limitado dos comerciantes exploradores de Atlântica.  O desemprego de Anibal, os serviços incertos de Mestre Biu, e a casa pequena com os quatro irmãos menores, cheios de necessidade e indo pra escola no maior sacrifício, sequer sem se alimentar direito, tudo fazia com que as festas de fim de ano - de nossa Senhora da Conceição, do Natal e do Ano Novo mesmo - não tivessem a menor graça, não fizessem o menor sentido. Era esse o sentimento, pelo menos de Anibal, naquela casa sem cômodos para todos e com o sanitário e banheiro no quintal, na chegada daquele dezembro.   

          A situação beirava o desastre, um pouco aliviada, meio melhorada, com a chegada da tia Nenem, irmã de Mãe Carminha, em junho, quando ela praticamente se mudou para a casa da calçada alta da Rua da Aurora. Tia Nenem tinha tudo no lugar; morava na Praça da Luz, na casa que tinha sido de Mãe Lica e Pai Dedé, como chamavam todos os netos, filhos da família da mãe de Anibal : tia Nora, Mimi, Dina, Maria, Josefa, tio Tonho, Manoel e Zezé.  Lá mesmo havia estabelecido a sua sapataria, quando saiu da sapataria, do seu eterno patrão José de Carvalho, no Beco do Mijo.  Tinha o seu dinheiro certo, a sua vida resolvida, mas quis ajudar diretamente a irmã Carminha e os seus filhos, acertando com Mestre Biu o seu almoço na casa deles, e desde junho eles almoçavam direito, que ela gostava de comer bem e o que ela acertava com o marido da irmã e com a irmã servia muito bem para alimentar a todos. Na medida, é certo, sem fartura, mas, mantida de forma regular e generosa, a mesa da família melhorou bastante e todos passaram a se alimentar melhor.  

          Também Mestre Biu ganhou com isso, pois ela permitiu que ele se instalasse na casa da Praça da Luz, onde podia melhor negociar com os fregueses do seu balcão de alfaiate.  Não era uma alfaiataria, era só um serviço de alfaiate, com um balcão de alguma forma organizado, que ele conduzia como uma micro-alfaiataria.  Para isso, tia Nenem já tinha instalado a sua pequena sapataria - de onde retirava o seu dinheiro regular e bem administrado, com a segurança de uma aposentadoria que ela conquistara após os serviços prestados a José de Carvalho - em um outro espaço em rua mais central da cidade.  Deu vida a dois coelhos de uma porrada só : ajudou a irmã a se alimentar e a alimentar os filhos e também ajudou o marido da irmã na manutenção do seu pequeno negócio de alfaiate.  



          Anibal estava sozinho na casa da Praça da Luz, à tarde, esperando o pai que havia saído para comprar material para as suas costuras, quando, de repente, chegou na calçada a mulher loura do Talão da Fortuna, que atendia aos moradores de Atlântica na Praça do Mercado, chegou na calçada e foi logo entrando, sentou-se na cadeira de balanço, e deu a notícia mais inesperada do ano : 

          - O bilhete sorteado é de vocês.   

          Anibal não entendeu nada.  E ela adiantou logo : 

          - O bilhete de vocês foi sorteado com o maior prêmio.  Onde está o bilhete, meu filho ? 

          Ela sabia de tudo, do número, do endereço da sorte, do nome da sorteada, que era Marly, de apenas 6 anos, a irmã mais nova de Anibal.  

          - Onde está o bilhete ?, quis saber a mulher loura do Talão da Fortuna.  

          Anibal então se lembrou : os bilhetes estavam na casa da calçada alta da Rua da Aurora, na casa deles, e lembrou bem que, no dia anterior, antes de dormir, ele, Maura, Jamilton e Marinalva, os mais velhos, brincavam com esses bilhetes como se fossem cartas de baralho...  

          Mestre Biu chegou e a mulher loura do Talão da Fortuna, dona Antonia, como ele a tratou, Anibal ouviu bem, contou logo o que tinha acontecido e que, na verdade, a sorte grande tinha chegado para ele : um bilhete em nome da sua filha, Marly, tinha sido premiado e ia ganhar o maior prêmio da Loteria do Estado. 


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Conto do ebook inédito 
PEQUENAS HISTÓRIAS DE ATLÂNTICA, 
de Juareiz Correya  


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