SÃO PAULO, 466 ANOS : LEMBRANÇA POÉTICA (3)






São Paulo, capital : década de 1970 
(Estadão Conteúdo - 21.03.1978) 



Giovanna Giordano 
(Altavilla Irpina, Itália) 

"Porém, se houver sol, 
e as ruas tiverem sabor de vento 
e de mar, 
e se os muros das casas
forem brancos, muito brancos, 
eu sairei, com os outros.

Porém se houver cantos,
 cantos de amor, 
de amor enorme
- e não tão somente de dois, 
e sempre de dois -
eu cantarei, com os outros."
(PORÉM SE HOUVER SOL, fragmento) 


Ramão Gomes Portão 
(Corumbá, MT) 

"Há momentos 
que não temos 
para onde fugir. 
Tempo morto. 
Alma marmórea. 
Gesto solto. 
Do pranto do povo nascem lágrimas 
e angústia 
da sua fome. 
Há clamores que vivem nas ruas, 
nos becos escuros, 
nas ruas sem pedras
sem luz
as casas pobres..."
(NAS RUAS ESQUECIDAS, fragmento) 


Ilka Brunhilde Laurito
(São Paulo, SP)  

"Tenho poema 
de toda medida e peso 
e para toda idade. 

Só não tenho 
pro meu irmão analfabeto  
que vê meu cartaz na praça 
e pergunta em voz baixa : 
- isto aqui é um ginásio ?...

Não, irmão, 
nem escola primária. 
É uma feira de palavras 
em que olhando pra você 
o meu pregão 
se cala." 
(LITERATURA DE CORDEL)  


Oliveira Ribeiro Neto
(São Paulo, SP)  

"Hoje que estás rica, de pedra vestida, 
toda rendilhada qual noiva garrida 
do São Paulo novo dos arranha-céus, 
hoje que não dormes sob os longos véus 
de névoa e de garoa do São Paulo antigo 
de ruas estreitas e falar pausado, 
eu confio e espero em tua mocidade
que é a mesma sempre, minha Faculdade, 
pois Rui e Nabuco e Rio Branco, e mil outros 
que deram à pátria seu nome glorioso 
enchendo de luzes páginas da história, 
vão mostrando aos moços, por felicidade, 
que o teu nome sempre, minha Faculdade, 
é a melhor das rimas para liberdade, 
é a melhor das chamas para o altar da glória !" 
(CANTO DE GLÓRIA DA FACULDADE DE DIREITO 
DE SÃO PAULO, fragmento)


Renata Pallottini 
(São Paulo, SP) 

"Mas tudo falha e eis que um vagabundo 
espera a morte no campo branco do seu leito. 
Ao redor a vastíssima cidade sufocada,
acuada, agachada ante a morte vacila. 
No leito o vagabundo espera a morte estático. 
No campo da cidade espreitamos a morte, 
espreitamos o Deus, o fim, o significado, 
a árvore negra, a forma, o marco, esperamos o dia  
na longa noite em que esperamos a morte."
(ALGUMAS FANTASIAS SOBRE A MORTE, fragmento) 


Cassiano Ricardo 
(São José dos Campos, SP) 

"Salpicado de sol. Sol 
                                                picado. 
Sei que queima, a ouro, 
o pêlo dos bichos 
pelos vãos das árvores 
em seu tigradouro. 

Um tigre na cidade 
                                                           um cromo forte. 
Uma mudança brusca 
                                                           em cada palavra 
dentro do dicionário
onde resido.     

A beleza do tigre  
                                            na cidade. 
Um indício, talvez,
de poesia como coisa 
selvagem." 
(SALTO NO ASFALTO, fragmento) 

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Textos transcritos da antologia paulistana  
POETAS DA CIDADE - SÃO PAULO, 2 / 
Organização de Renzo Mazzone
(Editora I.L.A. Palma - 
Palermo, Itália / São Paulo, Brasil, 1970) 


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