Julho 2023: Mês do 106o. Aniversário de Nascimento do Escritor Hermilo Borba Filho (3)

 




O APOLO  - Crônica  de Hermilo Borba Filho 

(Diário de Pernambuco - Recife - PE, 1974)


"Para mim, particularmente, o Apolo agiu como elemento cultural e poético. Quando Violeta, minha irmã mais velha, ia ao Apolo assistir aos filmes de amor (assim chamados em oposição aos de mocinho e vilão), falava no acontecimento desde a manhã até a hora da sessão. Eu passava em frente ao Apolo e via os cartazes em grandes letras azuis, com fotos brilhantes, mostrando homens de casaca e mulheres de ricos colos nus descendo de fiacres parados diante dos palácios. Durante a semana, minha irmã falava de Pina Menichelli, Theda Bara, Sessue Hayakawa, enquanto eu seguia Fanhim, um deixa-que-eu-chuto, que levava os cartazes a vários pontos da cidade para admirar as fotos, em sepia, do filme em série. Vi muitos: "A Moeda Quebrada", "A Mancha Rubra", "O Cavaleiro das Sombras", "O Punhal Maravilhoso", "Os Quatro Agentes do Serviço Secreto", sei lá, imitando Jack Perrin,  Wiliam Desmond, Eddie Polo,  Elmo Lincoln,  e até  já me vesti de Pearl White.  Eu ainda não completara seis anos e já ganhava minha pratinha de quinhentos réis para ver a fita, sempre acompanhado pelo meu querido Olho-de-Sete-Topadas que, sendo mais velho, já sabia ler e lia para mim os letreiros dos filmes mudos, comentados musicalmente por dona Ester no piano, Possidônio na clarineta e Luís Germano no rabecão. 

Era um mundo fantástico que nós copiávamos em bandos: no rio, nos montes do outro lado, nos sítios, nas brigas de bodoque, nas casas abandonadas, cada um de nós era bandido, era mocinho, cada menina era a mocinha, era a falsa, foi quando, já depois, lendo atravessando graças ao Professor Pinho, quis representar, seguindo direitinho o enredo, "O Homem que Ri", de Victor Hugo, tarefa impossível, porém precursora de tudo o que eu viria a fazer em teatro.  

E teatro veio, também no Cine-Apolo. Miguel Jasseli (sem dúvida a grande primeira influência cultural que recebi em minha então puberdade), fundou a Sociedade de Cultura de Palmares, formou um elenco de amadores e passou a representar peças sobre peças no Apolo, em dias em que não havia filmes. Isto começou em 1932, eu tinha 15 anos, tudo continuava a ser um encantamento, a ligação ao grupo me parecia uma aventura extraordinária - e era - e como sabia ler muito bem fui designado para ponto dos espetáculos. Depois, quando subi à condição de galã, em certas peças, que era suplantado quase sempre pelos meus primos Tancredo e José Accioly Lins, quem me substituiu foi Enoch de Barros Freire, enquanto eu,  empático, chorava no palco, tremia a voz, representava com um naturalismo digno de Antoine, causando arrepios e lágrimas. E eram os amigos mais velhos, sobretudo Lelé Correia e Raimundo Alves de Souza, e eram os primos e eram as primas, sobretudo Celina e Zezé, e eram as namoradas, e era o mundo belo de uma arte menor mas de qualquer modo de uma arte, e era o repertório: as comédias de costumes cariocas e pernambucanas, as burletas, as comédias musicadas, os atos variados. E era, com Miguel Jasseli (diretor, autor, ator) a preparação do cenário e o arranjo dos pertences de cena, durante as tardes, no antegozo da noite de estréia, a platéia cheia, os aplausos, a ante-sala da alegria e da tristeza que se misturaram durante toda a minha vida através do  teatro." 


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Introdução (página 3)  do livreto institucional da FUNDAÇÃO CASA 

DA CULTURA HERMILO BORBA FILHO, 

da Prefeitura dos Palmares - PE, publicado em 1984. 

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