Dona Jessiva, a diretora da Biblioteca de Palmares - PE

 




Rua da Conceição, centro de Palmares - PE. Prédio do Grupo Escolar José Bezerra (onde funcionou, na área desocupada - salão à esquerda -, no final da  década de 1960, o projeto inicial da "Biblioteca Municipal Fenelon Barreto" ).  Hoje, esse local, que já foi transformado em rodoviária municipal, mantém vários espaços comerciais...
(Fotografia da primeira metade do Século 20 / Autor desconhecido)


Aluno do Ginásio Municipal Agamenon Magalhães, de Palmares - onde estudei os cursos primário e ginasial -, conheci, no ano de 1968, a figura encantadora e quase mítica da diretora da Biblioteca Pública Fenelon Barreto, que, respeitosamente, os estudantes primários e ginasianos da cidade conheciam e tratavam como Dona Jessiva. 

Casada com o pastor evangélico, e professor de Língua Portuguesa,  Elias Sabino de Oliveira, ela já era mãe, nesse tempo, de 3 filhas - Rosa, Cenira e Lídia - e de 2 filhos - Elias e Eniel, meus colegas de turmas no curso ginasial. Me lembro que estudamos em anos diferentes  do curso - segundo e terceiro anos - mas sem nenhuma aproximação pessoal. 

Fui  estudante pobre e, em público, extremamente tímido. No tempo em que conheci a Biblioteca Pública, dirigida por Dona Jessiva - um verdadeiro templo que ocupava, provisoriamente, um amplo salão do desocupado e quase abandonado prédio do antigo Grupo Escolar José Bezerra -, minha timidez fazia com que eu entrasse mudo e saísse calado da Biblioteca.  Nunca me dirigi à diretora e sequer lhe pedi qualquer informação. E, sem saber mesmo o que me movia até ali,  instintivamente, Dona Jessiva se tornou uma das grandes influências das minhas leituras e da minha dedicação aos livros pela vida inteira... 

(Lembro que eu havia concluído o curso ginasial em 1967 - ano em que tive a sorte de conhecer de perto uma jovem  e incentivadora colega de turma... eu com 16  e ela com 22 anos, interessada por uns versos ruins  e bestas que eu pensava que escrevia...  E ela me acolheu e me animou com indicações de livros e leituras que  fez questão de  trazer da Usina Santa Terezinha, onde residia, para meu conhecimento e algum espanto...)  

Pois bem: eu entrava na Biblioteca dirigida por Dona Jessiva, não a cumprimentava e ia diretamente para as estantes dos livros que eu já tinha noção que deveria ler (por causa da minha amiga do Ginásio Municipal): eram os clássicos da Garnier, os livros de Machado de Assis, poemas de Castro Alves, Casimiro de Abreu, Humberto de Campos, alguma literatura portuguesa, e, mais adiante, exemplares avulsos da revista cultural "Leitura", do Rio de Janeiro, que divulgava escritores  brasileiros modernos...  Conheci vários textos teatrais e também livros traduzidos de Victor Hugo, Oscar Wilde, antologias de contos franceses, italianos, ingleses e norte-americanos...  Durante a manhã do expediente, mergulhado nesse mundo, eu não percebia que Dona Jessiva, a própria diretora da Biblioteca, fechava pessoalmente todos os janelões do salão local, deixando, por último, para fechar o janelão do canto onde eu "me abrigava"... E me falava, com a sua notável delicadeza: - Vamos fechar...  

Surpreendido, eu me levantava num semisusto, recolocava o livro ou a revista que lia nos seus lugares e saía da Biblioteca sem uma palavra qualquer ou agradecimento dirigido a ela. 

Sem querer, ou sem entender direito o que Dona Jessiva fazia, com a delicadeza do seu respeitoso gesto, percebi, anos depois, o valor da sua influência: o exemplo do gesto da minha amiga ginasiana e o delicado tratamento que Dona Jessiva me dirigia, na hora de fechar/encerrar o expediente da Biblioteca, foram mesmo as duas grandes influências que contribuíram para a minha dedicação à Literatura e à vida dos livros, como escritor e editor. 



JUAREIZ CORREYA 

(Recife, novembro de 2023)





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